Porquê o vinil? O vinil tem para mim e para a nossa Editora Corvo Records um significado importante, uma vez que realça o caráter háptico e físico da composição. A nossa editora publica obras de artistas que se debruçam nos seus trabalhos sobre o som e a visualidade. Esta forma de aproximação ao som através da arte visual é uma característica fundamental, dado que tanto eu como Wendelin Büchler, com quem partilho a gestão da Corvo Records, temos como formação de fundo as artes visuais. Este modo de publicação que liga arte sonora, música experimental e arte visual oferece muitas possibilidades na forma visual do seu lançamento, como se pode observar em “Come ho imparato a volare” [2011]. Para nós, cada publicação é antes de mais um objeto de arte sonoro [Klangkunstobjekt], editado na maior parte das vezes em exemplares limitados e numerados à mão. Os vinis [Schalplatten] portam em si o desafio a uma ação háptica. A audição musical torna-se assim propriamente um acto performativo, um ato poético.
A que velocidade se deve passar o LP (35rpm ou 45rpm)? Estão previstas as 33rpm? O LP deve ser ouvido a 33rpm e o Single a 45rpm.
Como foi trabalhada a mistura sonora? Ao computador ou também ao vivo? “Come ho imparato a volare“: as gravações de som e voz e as gravações das moscas/ larvas foram criadas em estúdio; estas estiveram cerca de uma semana em pequenas caixas plásticas – durante esse tempo gravei os seus movimentos delicados mas contínuos com microfones de contacto. As gravações de campo [field recordings] do “Coro delle Pie” foram levadas a cabo aquando da procissão pascal no sul de Itália (Apúlia), na cidade de Castellaneta.
“ROARS BANGS BOOMS“ consiste em gravações de voz que foram em parte sobrepostas e manipuladas com eletrónica analógica tal como fita magnética, gravador de cassetes, microfone de contacto, Theremin e uma pequena máquina para ‘loops’.
Que software foi utilizado? Como sequenciador uso o Pro Tools, a meu ver um software ideal para a concretização das composições e produção das peças. Não utilizo qualquer efeito ou outros filtros e não modifico nem aplico qualquer tratamento aos sons na pós-produção. É para mim muito importante que todos os sons permaneçam em bruto e sejam experienciados na sua qualidade sonora original. O processo de gravação é extremamente importante. Pretendo que o espaço e a situação da gravação sejam apresentados em bruto.
Lado 2 | perguntas sobre a poética do ato
Qual a relação entre Voz e Máquina? A voz é uma parte do nosso corpo, ela é uma caraterística [Merkmal] íntima de cada pessoa e revela a sua singularidade [Einzigartigkeit], o seu caráter, a sua idade, sentimentos ilimitados. Nós, como humanos, nascemos e crescemos em contacto com máquinas de todo o tipo que, através da multiplicidade da paisagem sonora do nosso quotidiano, consciente ou inconscientemente, nos determinam [bestimmen] e influenciam. Vejo a relação entre Voz e Máquina como algo muito natural, vejo-a como uma permuta contínua entre um mundo acústico interior e um exterior.
Quão distantes ou qual o sentido das signo-‘transcrições’/ desenhos em relação à gravação? O desenho de capa de ROARS BANGS BOOMS é a visualização gestual direta da gravação sonora, ou seja, de uma palavra onomatopaica do Manifesto Futurista de Luigi Russolo. A minha pesquisa orienta-se bastante por uma ligação o mais direta possível entre o ato vocal e o ato gestual; fascina-me em especial a voz e a sua imaterialidade, que consegue com o gesto da mão produzir algo material, um testemunho [Zeugnis] visual, um signo [Zeichen]. O desenho que se pode ver na capa do 7” faz parte de uma série de outras visualizações que foram criadas para a minha exposição individual MUSICA FUTURISTA: THE ART OF NOISES “ROARS_BANGS_BOOMS” Variation for Voice, Gesture and Drawings na Errant Bodies em Berlim. (Ver aqui a documentação: http://www.ezramo.com/works/roars%20bangs%20booms-performance/about.html#3-11%20May%202014)
Essas signo-‘transcrições’/ desenhos são legíveis/ vocalizáveis [stimmbar] ou criadas como objetos visuais? Durante a exposição os visitantes tiveram a oportunidade de observar os desenhos e simultaneamente, com auscultadores, de escutar a minha transposição dessas palavras onomatopaicas. Não havia quaisquer subtítulos, portanto não era propriamente evidente ao ouvinte a qual desenho correspondiam os sons. Na vernissage teve lugar uma performance: apenas eu podia ouvir nos auscultadores os sons – a minha transposição sonora dessas palavras onomatopaicas. Eu tinha os olhos vendados e dancei exatamente o que ouvia pelos auscultadores. O meu corpo gesticulava, apresentando linhas e movimentos. O público podia ver-me e escutar apenas o ruído baixinho dos meus sapatos no chão, da minha roupa, da minha respiração, do meu ofego [Atemlosigkeit]. Através da minha gestualidade [Gestik] e movimentos, o público ouviu a sua própria música.
As composições, assim como cada desenho, devem ser compreendidos como obras autónomas. Esta confusão pretendida na exposição tem para mim um significado preciso: estou mais interessada na imaginação livre do visitante – cada um formou portanto na sua cabeça uma própria e ‘nova’ performance, na qual a ligação entre desenho e som apresenta uma experiência estética pessoal.
Poderíamos considerar as ‘transcrições’ como notação e lê-las novamente? Poderia alguém repetir a tua performance? Os meus desenhos não são uma notação gráfica em sentido próprio. Não existe qualquer indicação, instrução ou designação de como devam soar. O gesto espontâneo, o meu movimento a cantar e o movimento ao desenhar originam a imagem. Esta imagem, a minha voz – como qualquer voz – constitui um fenómeno existencial irrepetível.
Interessa-me neste caso a libertação da linguagem escrita ou desenhada do seu objetivo como pura tradução de um fenómeno acústico; considero o desenho mais como uma partitura livre que tanto está ligada a um som como está ao mesmo tempo na posição de salvaguardar a sua independência e desenvolver a sua própria vida.
No entanto também componho peças que são escritas para performers. É no entanto uma outra abordagem. São frequentemente indicações escritas que dão instruções aos performers/ músicos de como deve ser executada a composição. Na maior parte dos casos as minhas composições não seguem a forma de notação clássica, são antes desenhos codificados, ou eventualmente indicações ditas/ escritas.
Interview: with Alessandra Eramo
Interview with Alessandra Eramo for the research project VOX MEDIA – O Som Na Literatura at the University of Coimbra – Materialidades da Literatura
Lado 1 | perguntas sobre a técnica
Porquê o vinil?
O vinil tem para mim e para a nossa Editora Corvo Records um significado importante, uma vez que realça o caráter háptico e físico da composição. A nossa editora publica obras de artistas que se debruçam nos seus trabalhos sobre o som e a visualidade. Esta forma de aproximação ao som através da arte visual é uma característica fundamental, dado que tanto eu como Wendelin Büchler, com quem partilho a gestão da Corvo Records, temos como formação de fundo as artes visuais.
Este modo de publicação que liga arte sonora, música experimental e arte visual oferece muitas possibilidades na forma visual do seu lançamento, como se pode observar em “Come ho imparato a volare” [2011]. Para nós, cada publicação é antes de mais um objeto de arte sonoro [Klangkunstobjekt], editado na maior parte das vezes em exemplares limitados e numerados à mão. Os vinis [Schalplatten] portam em si o desafio a uma ação háptica. A audição musical torna-se assim propriamente um acto performativo, um ato poético.
A que velocidade se deve passar o LP (35rpm ou 45rpm)? Estão previstas as 33rpm?
O LP deve ser ouvido a 33rpm e o Single a 45rpm.
Como foi trabalhada a mistura sonora? Ao computador ou também ao vivo?
“Come ho imparato a volare“: as gravações de som e voz e as gravações das moscas/ larvas foram criadas em estúdio; estas estiveram cerca de uma semana em pequenas caixas plásticas – durante esse tempo gravei os seus movimentos delicados mas contínuos com microfones de contacto. As gravações de campo [field recordings] do “Coro delle Pie” foram levadas a cabo aquando da procissão pascal no sul de Itália (Apúlia), na cidade de Castellaneta.
“ROARS BANGS BOOMS“ consiste em gravações de voz que foram em parte sobrepostas e manipuladas com eletrónica analógica tal como fita magnética, gravador de cassetes, microfone de contacto, Theremin e uma pequena máquina para ‘loops’.
Que software foi utilizado?
Como sequenciador uso o Pro Tools, a meu ver um software ideal para a concretização das composições e produção das peças. Não utilizo qualquer efeito ou outros filtros e não modifico nem aplico qualquer tratamento aos sons na pós-produção.
É para mim muito importante que todos os sons permaneçam em bruto e sejam experienciados na sua qualidade sonora original. O processo de gravação é extremamente importante. Pretendo que o espaço e a situação da gravação sejam apresentados em bruto.
Lado 2 | perguntas sobre a poética do ato
Qual a relação entre Voz e Máquina?
A voz é uma parte do nosso corpo, ela é uma caraterística [Merkmal] íntima de cada pessoa e revela a sua singularidade [Einzigartigkeit], o seu caráter, a sua idade, sentimentos ilimitados.
Nós, como humanos, nascemos e crescemos em contacto com máquinas de todo o tipo que, através da multiplicidade da paisagem sonora do nosso quotidiano, consciente ou inconscientemente, nos determinam [bestimmen] e influenciam.
Vejo a relação entre Voz e Máquina como algo muito natural, vejo-a como uma permuta contínua entre um mundo acústico interior e um exterior.
Quão distantes ou qual o sentido das signo-‘transcrições’/ desenhos em relação à gravação?
O desenho de capa de ROARS BANGS BOOMS é a visualização gestual direta da gravação sonora, ou seja, de uma palavra onomatopaica do Manifesto Futurista de Luigi Russolo.
A minha pesquisa orienta-se bastante por uma ligação o mais direta possível entre o ato vocal e o ato gestual; fascina-me em especial a voz e a sua imaterialidade, que consegue com o gesto da mão produzir algo material, um testemunho [Zeugnis] visual, um signo [Zeichen].
O desenho que se pode ver na capa do 7” faz parte de uma série de outras visualizações que foram criadas para a minha exposição individual MUSICA FUTURISTA: THE ART OF NOISES “ROARS_BANGS_BOOMS” Variation for Voice, Gesture and Drawings na Errant Bodies em Berlim.
(Ver aqui a documentação: http://www.ezramo.com/works/roars%20bangs%20booms-performance/about.html#3-11%20May%202014)
Essas signo-‘transcrições’/ desenhos são legíveis/ vocalizáveis [stimmbar] ou criadas como objetos visuais?
Durante a exposição os visitantes tiveram a oportunidade de observar os desenhos e simultaneamente, com auscultadores, de escutar a minha transposição dessas palavras onomatopaicas. Não havia quaisquer subtítulos, portanto não era propriamente evidente ao ouvinte a qual desenho correspondiam os sons.
Na vernissage teve lugar uma performance: apenas eu podia ouvir nos auscultadores os sons – a minha transposição sonora dessas palavras onomatopaicas. Eu tinha os olhos vendados e dancei exatamente o que ouvia pelos auscultadores. O meu corpo gesticulava, apresentando linhas e movimentos. O público podia ver-me e escutar apenas o ruído baixinho dos meus sapatos no chão, da minha roupa, da minha respiração, do meu ofego [Atemlosigkeit]. Através da minha gestualidade [Gestik] e movimentos, o público ouviu a sua própria música.
As composições, assim como cada desenho, devem ser compreendidos como obras autónomas. Esta confusão pretendida na exposição tem para mim um significado preciso: estou mais interessada na imaginação livre do visitante – cada um formou portanto na sua cabeça uma própria e ‘nova’ performance, na qual a ligação entre desenho e som apresenta uma experiência estética pessoal.
Poderíamos considerar as ‘transcrições’ como notação e lê-las novamente? Poderia alguém repetir a tua performance?
Os meus desenhos não são uma notação gráfica em sentido próprio. Não existe qualquer indicação, instrução ou designação de como devam soar. O gesto espontâneo, o meu movimento a cantar e o movimento ao desenhar originam a imagem. Esta imagem, a minha voz – como qualquer voz – constitui um fenómeno existencial irrepetível.
Interessa-me neste caso a libertação da linguagem escrita ou desenhada do seu objetivo como pura tradução de um fenómeno acústico; considero o desenho mais como uma partitura livre que tanto está ligada a um som como está ao mesmo tempo na posição de salvaguardar a sua independência e desenvolver a sua própria vida.
No entanto também componho peças que são escritas para performers. É no entanto uma outra abordagem. São frequentemente indicações escritas que dão instruções aos performers/ músicos de como deve ser executada a composição. Na maior parte dos casos as minhas composições não seguem a forma de notação clássica, são antes desenhos codificados, ou eventualmente indicações ditas/ escritas.
http://www.ezramo.com/
Entrevista e tradução do alemão de Tiago Schwäbl